A Encruzilhada Do Silêncio – Re...

Eu sou o poeta, que correu o mundo,
Que sentiu tristezas
E calou misérias.
Eu sou o poeta, que viveu o mundo,
Que buscou respostas
E encontrou silêncios.
Eu sou o poeta, que esqueceu o mundo,
Que sorriu à vida
E caminhou sozinho.
No deserto de ilusões,
Os amigos desprezaram meu falar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
Os amigos serão simples,
Serão bons
E eu perdôo os de hoje, por aqueles.
No mercado de ilusões,
As mulheres gargalharam meu olhar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
As mulheres serão puras,
Serão nobres
E eu perdôo as de hoje, por aquelas.
No templo de ilusões,
Os sacerdotes romperam meu rezar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
Os sacerdotes serão sábios,
Serão crentes
E eu perdôo os de hoje, por aqueles.
O poeta é o mensageiro da esperança,
O poeta deve crer
E eu creio,
Porque
Eu sou aquele,
Que, ainda, sonha flores
E descobre estrelas,
Eu sou aquele
Que, ainda, busca anjos,
Onde existem feras,
Eu sou aquele
Que, ainda, prega aos fortes
E defende os fracos…

A Encruzilhada Do Silêncio – Re...

Eternidade
O canto é indefinido,
A noite triste.
O luar tem rabugens de rancor
E brilha
E foge
E para
E olha
O vate só.
O canto é indefinido,
O vate escuta.
As árvores são espectros
De inverno,
Assombraçães
Do quadro estranho.
O vate pensa,
A noite é triste.
Ninguém lamenta
E nenhum grito
De boca fria
Acorda a vida,
Que dorme, calma,
Virge’entre loucos.
E o canto é indefinido
E a noite é triste
E o vate escuta.

A Encruzilhada Do Silêncio – Re...

E, um dia, a Imagem Derradeira
Há de chegar, calada,
E há de estender-me os braços,
Calma e fria.
Nervoso, eu hei de olhá-la,
Na esperança do abandono
E no temor da trajetória,
Mas hei de estender-lhe os braços,
Segurar-lhe as mãos geladas,
Que hão de gelar as minhas.
E, assim, nós havemos juntos
De percorrer o caminho,
Eu tremente,
Ela tristonha.
Depois… o dia é tão curto
E a noite parece eterna…

Dido

ANA
Já de Enéias a frota no horizonte,
Cartago não mais vendo, como vira,
Encontra-se, Senhora, e o povo dorme,
Não sabendo partida ser do porto
A esquadra, que a maré mais distancia
Da terra, que a salvou da morte crua.
As velas distendidas pelo vento,
Nos mastros arredondam-se serenas
E, nos seus postos, os dardanos bravos
Obedecem as ordens de seus chefes.
DIDO
Mas, Ana, ainda não creio no que dizes.
Verdade isto não é, dize, Senhora,
Estares a brincar com tua irmã.
Enéias não partiu, tenho certeza,
Ele disse me amar. As nossas bodas
Serão quando de novo na amplidão
Surgir pálida Febe inteiramente.
Somente sete dias faltam, pois,
Para que Enéias seja de Cartago
O novo heróico e ingente soberano.
ANA
Os barcos lá se vão e s’inda queres
Dos troianos guardar recordação
Da sacada aproxima-te, Senhora,
Que assim verás o brilho destes vasos.
DIDO
Não, não … não quero não, não quero vê-los ….
Ou talvez … talvez não … não queira assim
Desiludir-me já do meu sonhar.
Como fora formosa a vida, enquanto
O filho de Afrodite com Anquises
Murmurava ao meu lado seu amor ….
Não, não. Isto é mentira, minha irmã.
Tu mentes na ilusão de um desengano,
Tu mentes por amá-lo como nunca
Herói amaste algum mais forte e grande,
Tu mentes porque queres arrancar
Das minhas mãos um tão sublime chefe,
Tu mentes, sim, irmã, e como mentes!
ANA
Ó desvairada estás, filha de Belo,
A luz da razão toda te partiu.
Vem tu, com calma, para ver daqui
As velas encrespadas das galeras
Sumindo no horizonte ao despertar
Da cândida manhã, filha da Aurora.
Já Febo, pelo céu, seu carro augusto
Dirige indiferente, mas divino.
Vem tu, irmã, sou eu quem te suplico.
DIDO
Sim é verdade, sim, já lá vai longe
A frota dos dardanos prepotentes
E eu fico cá sofrendo minhas mágoas,
Não sabendo se os choro ou se os maldigo.
ANA
Que resta executar, rainha altiva,
Para o povo acalmar, quando acordado.
DIDO
Manda tu preparar os funerais,
Os mais ricos e os mais cerimoniosos,
Que até hoje Cartago j’assistiu.
ANA
E para que, Senhora, os funerais?
Será que morrerás de amor por ele?
DIDO
Não, não, querida irmã, é que matá-lo
Eu em símbolo irei a Byrsa toda.
ANA
Vou buscar cumprimento as suas ordens.
(E sai)
DIDO
Como fora possível, como fora
Que tanto amor nascesse no meu peito?
Não vira Zeus potente meus trabalhos
E puniu-me sem ter tal merecido.
De Tróia o incêndio rude não mais era
Tão rude como o amor, que me incendeia,
Mas Tróia ardeu sublime, sem defesas,
E defendida eu ardo, não sublime.
Senhor, maldigo a sorte impenitente,
Que gerada me fez no Tyro ser,
Filha adorada do adorado Belo.
Maldito seja o instante, em que Sicheu
Por meu irmão foi morto, num altar,
E que, deixando o amor, que eu lhe tivera,
Partiu para tombar no reino d’Hades.
E desgraçado seja eternamente
O dia em que a Mãe-Pátria abandonei,
Repleta de riquezas e de glórias.
Se eu em Chypre restasse, lá chegada,
Pungente não seria minha vida.
Amaldiçoado seja, pois também
Quando de Chypre, plenos de donzelas,
Os vasos trouxe às terras africanas.
Fui infeliz, fazendo que Cartago
Fruto fosse de um boi de couro tenro.
Os muros rebatidos e invencíveis,
Que os flancos desta costa, altivos, cobrem
E que guardam o povo, o mais valente,
Das guerras e das pazes sorrateiras,
Não defenderam nunca a pobre Dido,
Que de amor desvairada retombou
No falar enganoso de um herói,
Se nobre frente a luta de gigantes,
Covarde frente a mim, que sou mulher,
Que frágil sou, que sou pálida e, enfim,
Que sou apenas uma pobre amante.
Por ti ardeu meu seio indiferente
A nobres, a formosos, a valentes,
E tanto ardeu, Senhor, que seus escombros
São mais monumentais que os de Ilion.
Heitor, que mais que tu fora guerreiro,
Jamais trouxe Andromaca na ilusão,
E a linda feliz foi nos braços seus,
Chorando mágoas mil, quando de Tétis
O filho seu marido esquartejou,
Na defesa divina da nação,
Da família, porém mais de Andromaca
Que diferente sou, contudo, dela.
Foste, quem me iludiste o tempo todo,
És tu, quem me abandonas calmamente
E sou quem por ti vou morrer sofrendo
E quem me chorará serás talvez …
Ó … mas que estou dizendo? Já deliro,
Jamais tiveste, Enéias, sentimento,
Ó tu que de ilusões meu coração
Transbordaste, por que tu me abandonas,
Fugindo ao meu carinho verdadeiro?
Por acaso não sou rica e formosa?
Por acaso Cartago fulgurante
Não será no futuro mais potente
Que as colônias, que restam pelas costas?
Por que tu me abandonas, meu cruel!
Herói divino, mas sórdido herói?
Por ti a espada fria da bainha,
Que esqueceste na ceia de outro dia,
Saindo, mais gelada do que fora,
Muda trespassará meu corpo ardente,
Que belo, como a flor da primavera,
Fenece, quando parte esta estação.
Os fogos ardem já pelos altares
E tu dos barcos teus pode’avistar
Os funerais da bela e pura Elisa,
Que ao ser mulher de ação, Dido chamada
Foi por Cartago inteira, em regozijo.
Maldito seja o dia, em que sonhando,
Pensei ter encontrado o casto amor
Que desejei, por ti mudado em ódio,
O mais ferino, o mais cruel e rude.
Coragem não me falta, foi chegado
O momento da vida abandonar.
Ó sombra de Sicarbas, vem mostrar-me,
Como outrora mostraste-me o perigo,
O caminho de trevas do Aqueronte.
(e mata-se)